Escombros, roupas, utensílios de cozinha, eletrodomésticos, móveis, poeira e vazamento de água. Este é o cenário do desabamento que atingiu parte de três casas localizadas na quadra 2 da alameda Dama da Noite, no bairro Vista Alegre, na madrugada de ontem em Bauru.
Era por volta das 2h quando o balconista Álvaro Augusto dos Santos, 22 anos, ouviu barulhos estranhos no quarto onde dormia sozinho nos fundos da casa. “O estalo que ouvi foi muito forte e em seguida notei uma rachadura estranha na parede do cômodo. Imediatamente corri para a sala e mal tive tempo de chamar minha mãe. Em menos de um minuto, meu quarto, a lavanderia e o banheiro estavam lá embaixo”, relata.
Na casa, que sofreu o maior dano, além de Álvaro moram seus pais, Maria Regina Satil Santos, 47 anos, e José de Brito Santos, 53 anos, e Djalma Matheus dos Santos Mansueto, 9 anos. Com exceção de Maria, todos dormiam no momento do incidente.
“Eu estava no computador, justamente mandando um e-mail para a produção do programa de domingo do apresentador Gugu Liberato, da TV Record, pedindo que eles reformassem minha casa. Desliguei tudo e deitei. Em pouco tempo, também ouvi um barulho estranho e os cômodos cedendo. O Álvaro conseguiu escapar por pouco”, relata Maria.
Os moradores residem no local há cinco anos e, segundo José, foi com muito esforço que conseguiram reunir o dinheiro necessário para a aquisição do imóvel. “Morávamos de aluguel e quando nos mudamos, construí paredes de alvenaria ao redor da residência, mas o restante da estrutura interna é de madeira, inclusive o forro. Somos humildes e conseguimos tudo com muito esforço”, desabafa o morador, que apesar dos prejuízos materiais, agradece a Deus por ninguém ter saído ferido.
Djalma Matheus, neto de Maria e José, apesar de ter apenas 9 anos já chamava a atenção da avó para o fato da parede da cozinha estar “desgrudando” do restante da casa. Além da família Santos, as duas outras casas, uma de Neuza Aparecida Rodrigues da Silva, 52 anos, e do atendente Rodrigo Faria, 32 anos, também foram atingidas e são alugadas pelas famílias.
Rachaduras
A casa de Neuza teve apenas o muro dos fundos danificado, mas as grandes rachaduras no corredor deixaram visíveis os riscos. Ela mora no bairro há apenas cinco meses com a filha e o genro, que também acordaram quando sentiram a casa sendo ‘engolida’.
No imóvel alugado por Rodrigo, moram outros dois amigos do rapaz. A cozinha e um quarto de despensa ficaram completamente destruídos. “Há um ano e meio resolvi morar fora para conquistar minha independência, mas nunca imaginei que algo dessa proporção pudesse acontecer comigo”, relata Rodrigo.
Indagado sobre a construção que ocorre no terreno ao fundo das casas, assim como os outros moradores, ele disse que há duas semanas sentia o chão tremer.
Além dos cômodos que caíram no terreno da marmoraria, a situação do restante da residência impressiona: a porta da sala entortou, o teto de madeira parece ser “puxado” para baixo e o chão apresenta um declive.
Em relação às famílias que ficaram desabrigadas e foram acolhidas na casa de parentes e em abrigos, a titular da Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes), Darlene Tendolo, disse que hoje uma equipe fará uma visita a elas para avaliar a situação e definir formas de atendê-las em suas necessidades. “Elas não ficarão desassistidas”, afirma.
Responsabilidade técnica
Ontem à tarde, a assessoria de imprensa da prefeitura informou, em nota, que uma equipe do setor de fiscalização da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) esteve no local do acidente. Segundo a nota, foi constatado que, em relação ao imóvel ao lado das casas afetadas, estava com um muro de arrimo em construção e que esse tipo de obra é permitido pela Seplan, desde que o proprietário apresente o documento Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), emitido por um engenheiro responsável, exigência que teria sido cumprida neste caso. “A partir disso, toda e qualquer outra providência legal não poderá ser tomada pela Prefeitura Municipal.”
Quanto aos demais imóveis envolvidos, a Seplan informa que o levantamento sobre a situação cadastral de cada um deles está em andamento.
Laudo sairá em 30 dias
Na manhã de ontem, equipes da Polícia Científica e da Defesa Civil de Bauru estiveram no local dos fatos para dar orientação aos moradores e avaliar o impacto nas três moradias e apurar as possíveis causas do acidente que, por sorte, não deixou pessoas feridas. O laudo da perícia sobre as causas do desabamento deve sair em menos de 30 dias.
Ainda ontem, um engenheiro da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) visitaria o local para registrar os danos.
O prejuízo dos moradores não foi contabilizado, mas estima-se que a perda possa superar R$ 100 mil por conta dos estragos que vão desde o comprometimento da estrutura das casas – duas delas alugadas e uma própria -, até objetos, aparelhos eletrônicos, móveis, eletrodomésticos, roupas, sapatos e utensílios.
Segundo o coordenador da Defesa Civil em Bauru, Álvaro de Brito, por conta do risco iminente de desabamento dos outros cômodos das casas, as famílias foram retiradas do local ontem. “As rachaduras aumentaram da madrugada para a manhã (de ontem). Essas pessoas provavelmente irão para abrigos cedidos pela prefeitura, para casa de parentes ou para hotéis na cidade”, ressalta.
O gerente da marmoraria afirmou que a empresa também prestará o auxílio necessário.
Engenheiro responsável pela marmoraria nega qualquer conexão das obras com o problema
Há cerca de 40 dias, uma marmoraria localizada na quadra 12 da avenida Nuno de Assis, que funciona atrás das residências atingidas na madrugada de ontem, estaria com obras de ampliação em andamento. Segundo informou o gerente do estabelecimento, Paulo Zago, um barracão seria construído no local.
O muro que divide as casas em relação ao terreno em declive, no qual a marmoraria está situada, possui cerca de quatro metros de altura e veio abaixo após as obras de fundação para a construção de um muro de arrimo paralelo serem iniciadas.
Entretanto, para o engenheiro civil responsável pela obra na marmoraria, Altair Moraes Monteiro, o desabamento das casas não teria nenhuma ligação com as obras. “Houve uma infiltração nessas casas e o muro de contenção, que era antigo, não aguentou e cedeu”, afirma.
De acordo com o engenheiro acionado pela reportagem do JC, Marcos Wanderley Ferreira, que é diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, a idade avançada das casas, que possuem em média 40 anos, somada à infiltração observada em um banheiro e a falta de um muro de arrimo podem ter influenciado o acontecimento.
“Qualquer reforma que fosse feita poderia ter causado um dano nessas casas, que tem parte das estruturas em madeira e parte em alvenaria. Elas também não parecem ter uma fundação profunda, o que ajudaria a suportar e daria estabilidade ao imóvel em situações de impacto ou movimentação do terreno”, pontua.
De acordo com o diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, existe uma recomendação do Conselho Federal de Engenharia que trata sobre a inspeção técnica nas adjacências e vizinhança para o início de uma construção.
Questionado quanto os laudos, o engenheiro responsável pela reforma na marmoraria negou que a obra necessitasse da documentação e ressaltou que o muro danificado não tinha nenhuma ligação com a reforma.
“Não foi retirada terra e não foi feito nada nesse muro, apenas tiramos uma cobertura de madeira e iríamos trocá-la por uma cobertura metálica. O responsável pelo desabamento foi quem construiu o muro das casas há 30 anos”, rebateu.